Yin Yang Verdadeiro e Falso
Por
José Barreno / Huang Jing Yun
Na alquimia espiritual taoista é dada grande
importância ao YinYang. No que a esta temática diz respeito, o I Ching é o
texto axial, fundamentando o caminho da evolução humana com base no yin e yang,
de três modos:
- 1)
Repelir o yin e aumentar o yang
- 2)
Combinar o yin e o yang
- 3)
Transcender o yin e o yang
Por repelir o yin, entende-se o renunciar a
uma postura mental composta por pensamentos pesados e obscuros, que dificultam
a evolução. A esta postura mental se denomina no taoismo por falso yin,
produzido pela mente humana e não pela mente do Dao, que é a “nossa casa”[1] – e não
a “outra casa”, possuidora de um carater condicionado e limitado, cerceando o
acesso ao ilimitado e perene, e por isso falso, e que utilizamos aqui, durante
a presente encarnação, enquanto nos mantivermos no campo da ilusão. Por isso, o
processo de repelir o yin e fomentar o yang, significa de forma clara, repelir
o falso yin e fomentar o yang verdadeiro.
Do mesmo modo, combinar o yin e yang significa
combinar, equilibrando, o yin verdadeiro e o yang verdadeiro e transcender o
yin e yang significa transcender a lei do plano pela qual se rege o mundo e
atingir absoluta liberdade, não mais condicionados pela diminuição e
crescimento de um e outro.
Mas, o que são o yin e yang verdadeiros? Liu
Yi Ming, taoista da dinastia Qing (séc
18), famoso pelos seus escritos, e que, para além do taoismo, era bem versado
sobre o budismo e o confucionismo, os quais eram assumidos pelo império do meio
como “Os três pilares”[2] e que a
cultura Quan Zhen integrou perfeitamente, autor do Taoist I Ching,
que se trata de uma explicação ao I Ching clássico traduzido para o inglês por
Thomas Cleary, e do Xiu Zhen Hou Bian, ou a prática da perfeição,
nos quais me baseio, nos capitulos “Xianhou Tian yinyang” (Yin e Yang no céu
anterior e posterior) e “Tajia Wojia” (A outra casa e a minha casa) deste
último, explica:
Da interação do céu com a terra
nasce o céu posterior (Hou Tian) ao serem produzidos água e fogo por esta ordem.
Por isso, no céu posterior posicionam-se como Kan (Água) que ocupa a direção
Norte e representa o máximo de yin ou Tai Yin e Li (Fogo) que ocupa a direção
Sul e que corresponde ao máximo de yang ou Tai Yang e no corpo são Xin
(coração), que pertence ao movimento fogo (huo xing) e portanto simboliza o Yang
Imperial, e Shen (Rins), que representa o movimento água e armazena o Yin
essencial e o Yang Original, sendo considerado a raiz da vida na forma e que,
juntamente com o coração, formam o eixo essencial pelo qual se rege a
existência. Assim, Kan e Li são as imagens que possuem o mistério da vida e que
na alquimia interna tanta importância contêm.
No céu anterior, yin e yang são Ser e Não-Ser
e não possuem forma, no céu posterior são coração e rins e possuem imagens.
Ser é o yang em Kan , é o yang verdadeiro e o Ser maravilhoso.
Não Ser é o yin em Li , o yin verdadeiro e o verdadeiro vazio.
Assim os verdadeiros yin e yang, provêm do
aspeto anterior ao céu ou Wuji e operam no Taiji, ou aspeto posterior à criação
do céu ou mundo manifesto. Os falsos yin e yang, porque condicionados pelo
tempo e espaço, surgem do aspeto posterior ao céu (Taiji) e estão armazenados
no corpo. Quando o corpo termina, também estes yin e yang terminam, desgastando-se
durante a existência, gerando dessa forma condições que resultam em doença.
O Yin e Yang verdadeiros situam-se na não
forma e operam no que não possui imagem, sendo por isso, indestrutíveis.
O yin e yang do coração e rins são transformações
da essência (Jing) e do sangue (Xue) dos nossos pais no momento em que nos
concebem, provendo-nos desta forma de Qi e Substância.
Já o Yin e Yang pré celestiais são a base do
Fa Shen ou corpo Dharma e gerados pelo Yi Qi de Tai Yi Dao Zu, que por sua vez
provém do seu Jing. Portanto eles são providos de Sopro (Qi) mas não possuem
substância. Deste modo, segundo Liu Yi Ming, a sua longevidade iguala a do Céu
e da Terra (Tian Di) ou Universo.
Estes Yin e Yang pré celestiais, quando a Unidade evolui na multiplicação, produzindo os Dez Mil Seres, são armazenados no plano posterior ao céu e assim passam para o domínio de Kan (água-rins) e Li (fogo-coração), que constituem o eixo fundamental (S-N) que estabelece a ordem pela qual se rege todo o universo e que na linguagem do Clássico das transformações ( I Ching) se denomina por ordenamento do Rei Wen, é conhecido por Lo Shu, ou diagrama do Céu posterior. Já o ordenamento do Céu anterior pertence ao mítico Fu Xi, que o terá desenhado há vários milénios atrás e que é chamado de He Du, ou Mapa do Rio.
Lo Shu,
Escrito Lo, Diagrama do Céu Posterior, ordenamento do Rei Wen
He Tu, Mapa do Rio, Diagrama do Céu Anterior, ordenamento de Fu Xi
He Tu e Lo Shu, Diagramas do Céu Anterior e do Céu
Posterior
Fotografia
dos Diagramas : José Barreno, Montanha de Hua (Shaanxi, China)
Unificação
do He Tu, do Lo Shu, e dos 8 Trigramas na forma do Céu Anterior e do Céu
Posterior
Organização
dos Trigramas do Céu Anterior e do Céu Posterior, numa caligrafia pelo Me.
Zhongxian Wu
Ainda segundo Liu Yi Ming, Kan é externamente
yin e internamente yang. Li é externamente yang e internamente yin. Assim, Kan é externamente pós celestial e internamente
pré celestial e o mesmo acontece com Li, o que constitui outra diferença entre
o pós e o pré celestial.
Deste modo, o yin e yang pós celestial
circulam apenas no corpo, seguindo o curso da criação e da transformação.
Quando o Yang inicial nasce na hora Zi rato (23-01),
o seu qi, que se encontra nos rins, ascende e circula pelo corpo, utilizando os
vasos, durante o dia, transportado pelo sangue.
Quando o Yin inicial nasce na hora Wu, cavalo
(11-13), o seu qi, proveniente do coração, desce e circula pelo corpo,
transportado pelo sangue durante a noite. Assim se percebe que yin e yang
alternam, movendo-se num círculo durante o dia e a noite.
Aquando do nascimento, o que é posterior ao
céu toma conta e o pré celestial recua, desvanecendo-se.
O que é posterior ao céu denomina-se por mente
humana, ren xin, cognitiva e questionante, produzindo constante movimento por
pensamento excessivo e gerando dúvida sem cessar por desejo de saber, o que
acabará por resultar num quadro emocionado que conduz ao sofrimento existencial.
Desse modo Dao xin, a mente do Dao, que é
inata, clara e tranquila, possuidora da
sabedoria original fica obscurecida e assim a mente humana perde a memória da
clareza e quietude originais (Qing Jing), produzindo conceitos erróneos sobre a
sua própria natureza e função, criando um estado de existência ilusório, que toma
o falso pelo verdadeiro, porque apenas percebidos externamente pelos sentidos,
que produzem conceitos relativos de acordo com o posicionamento de cada um,
levando assim a que cada qual construa a sua própria realidade de acordo com o condicionamento
inerente ao conhecimento que possui na avaliação de cada situação com que se
depara, e que mais não é que a consequência das suas próprias escolhas feitas
desta mesma forma.
Assim o belo e o feio, o bom e o mau, o longo
e o curto, são tomados como realidades separadas, quando nas palavras de Lao
Zi, são apenas complementos um do outro, dependendo um do outro, como o yin e o
yang, que apesar de opostos se complementam em perfeita harmonia gerando dessa
forma a realidade última que se denomina por Taiji. Afinal o nascer e o pôr do
sol, fazem parte do mesmo período a que chamamos de Dia.
O pensamento excessivo causa dano ao espírito
(shen). Desejos lascivos e prazeres ocos, consomem a essência (Jing). Quando a
essência e o espírito estão afetados, o Sopro (Qi) fica exaurido. Quando o Qi
fica exaurido, a morte acontece.
No caso do Yin e Yang pré celestial, estes
operam no vazio, invertendo o curso da criação e transformação. Na hora Zi o
Yang original contido em Kan retorna (Fu), pelo que se deve “avançar
o fogo yang” (Jin Yang Huo), por forma a dar vida e nutrir o Fa Shen, ou
Dharma Kaya, que é o corpo de luz que emana da virtude inata ou natureza inata
(xing), o qual de forma natural (zi ran) transporta em si valores como a
compaixão, a sabedoria, a paciência, entre outros.
Na hora Wu, o Yin original, contido em Li, vem
ao encontro (Gou). Por isto se deve “retirar a resposta yin” (Tui
Yin Fu), de forma a suavemente nutrir o corpo de Luz e é desta forma que Liu YI
Ming afirma que se completa este corpo, indicando que em dez meses, o Sopro se
torna completo e que acontece o nascimento do embrião de Santidade (Sheng Tai).
Diz ainda em jeito de conclusão: “Enfim! O Yin e Yang pós celestial dentro
do corpo não consegue completar a vossa Natureza (xing) e a vida destino (Ming).
O erro, perpetrado por aqueles que realizam práticas maléficas, como pensar que
o yin e yang se resumem à dualidade expressa na diferença ilusória entre homem
e mulher, não pode ser descrito em palavras”. O mesmo pode ser dito de quem
atribui valores dependentes da cultura de cada um, como o bom e o mau, ou o
certo e errado, ao Yin e Yang.
E continua Liu Yi Ming, “Se os estudantes
querem discernir de uma forma transparente o Yin e Yang pós celestial devem
apressar-se a buscar o selo de verificação de um Mestre verdadeiro e desse modo
poderem albergar a esperança de o conseguir… Como podem tentar obter de forma
vã uma palavra ou meia sentença por forma a cessar a criação e
transformação, para transcender o vulgar e penetrar a Santidade?
Como conseguem os estudantes não refletir
nisto constantemente?”
José Barreno/ Huang Jing Yun
[1] Liu Yi Ming, no Xiuzhen houbian, traduzido por Fabrizio
Pregadio (Cultivating the Tao: Taoism and Internal Alchemy, Golden
Elixir Press, 2013), explica os conceitos de a “outra casa”, relacionado com a
mente humana, finita e condicionada, e a “minha casa”, que se refere à mente do
Dao, ilimitada.
[2] Os Três Pilares da Cultura Chinesa são o Taoismo, Budismo e
Confucionismo. Esta referência às três grandes tradições de pensamento que
formam a Cultura Chinesa surge a partir do século 6 da Era actual. Na tradição
Taoista, algumas escolas seguem também os ensinamentos Budistas e
Confucionistas, nomeadamente na linhagem de Long Men, Porta do Dragão, fundada
por Qiu Chu Ji, da Escola Quan Zhen, Perfeita Realidade.
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