Discurso proferido hoje pelo Mestre José Barreno, no Templo da Grande Harmonia, em Caserta, por ocasião dos 30 anos da Chiesa Taoista d’Italia. O tema da Conferência de hoje é:
Taoismo Religião Mundial - Utopia ou esperança para a humanidade? Visões e propostas.
De um modo completamente enviesado, a visão moderna sobre a realidade na sociedade hedonista, consumista e ultra materialista dos dias de hoje, remete para uma realidade pautada por um sofrimento constante, adornado por desigualdade social, presente numa sociedade violenta e injusta. Afinal aquilo que caracteriza o sub mundo, ou os infernos.
Por isso uma dialética de salvação inspirada na esperança é urgente. Sem esperança, o homem não encontrará mais a força que lhe permita continuar a resistir e insistir em existir, afogando-se no oceano de sofrimento em que se encontra e que a sua mente continuamente replica.
Deste modo a doutrina da salvação deve assentar numa atitude que coloque este mesmo homem no centro como herói salvador de si mesmo, investindo no estudo das técnicas e práticas que lhe devolvam o estado de Clareza e Quietude, investindo num esvaziamento gradual, mas completo das condicionantes mentais que o agrilhoam ao sub mundo que a sua mente, em conjunto com a de todos os outros gerou e replica, era após era, produzindo vários níveis de dimensões infernais para onde retorna vida após vida, desperdiçada numa aposta hedónica da existência, constantemente gerando ansiedade, sofrimento e morte para depois tudo recomeçar.
A doutrina da salvação é tao somente aquela que permite reencontrar o “Eu” verdadeiro, impoluto e original, integrado e não alterado, porque esclarecido acerca das circunstancias que, ilusoriamente se foram insinuando até serem tomadas como realidade, numa perspetiva unicamente centrada no humano, individualista, sem visão de conjunto que permita perceber para lá do visível, audível e palpável, estabelecendo desse modo uma reintegração na matriz cósmica que lhe deu vida e continua fornecendo suporte formal e que opera de modo perfeito, patente nas órbitas que os corpos celestes descrevem, em torno do seu eixo, produzindo desse modo as condições que permitem a vida, numa sucessão de eventos a que apelidamos de estações, ocorrendo com precisão matemática, produzindo o equilíbrio fundamental para a existência.
Afastados desta modulação original, constante, ancestralmente estabelecida e pela qual se regula toda a natureza, só poderíamos aspirar a uma consequência: o falhanço existencial em que nos encontramos, consumindo de forma irresponsável, senão criminosa, os recursos do planeta numa ganância desmedida que resulta em guerra, fome, doença e morte.
Urge começar a integrar, começando em nós, os conceitos ancestrais de respeito e contemplação, numa postura de preservação da natureza como caminho para recuperarmos o nosso lugar de cuidadores e defensores de um planeta despoluído, puro e aquietado em lugar da loucura competitiva que aporta todo este sofrimento e que nos morde e mata continuamente, até ao completo apagamento da boa consciência humana, que não é de forma alguma a consequência verdadeira da causa original.
Do ponto de vista do daoismo o Qi universal é a bênção transcendental que permite a vida. Tal como refere o He Sheng Gong, é a continuação do Dao no plano da substancialidade. A originalidade primordial que, continuamente suporta e gera o universo promovendo a sua integridade formal e operacional, tal como acontece com cada um de nós, desta forma produzindo uma unidade intrínseca entre o Humano e o Universo, tal como o diz a expressão Tian Ren He Yi, e que nos projeta no Caminho, numa constância geradora de momento, numa interminável operação, que respiramos por todos os poros, entre o universo que nos gera e nós, como um só, como um todo, sem diferenciação ou separação, um só Qi, sopro indiviso, pelo qual se constitui o grande oceano da Existência.
Por isso, se o Dao é a raiz axial do daoismo, as suas artes são o modo como podemos penetrar o mistério (Xuán玄), e desse modo, livrarmo-nos da ignorância estrutural que nos embota os sentidos, obtendo desse modo uma capacidade renovada de caminharmos o Caminho, de uma forma simples e eficaz, melhorando as nossas vidas e o ambiente que nos rodeia, reencontrando a união com o todo, produzindo nesta vida, com este corpo o veiculo virtuoso que nos permita abdicar do sofrimento, retornando ao plano da quietude purificadora.
Assim, a não-ação (Wu Wei 無為) é a prece que podemos e devemos continuamente recitar. Uma prece por clareza e quietude, o que implica não interferir no que já ocorre desde o inicio, por forma a nos deixarmos invadir por serenidade e assim, alcançarmos os reinos da consciência que, de outro modo não são realizáveis por se encontrarem submergidos pela confusão e pelo ruido mental.
Deste modo a não ação, é como um ovo em que “chocamos” o retorno á nossa consciência inata, a nossa natureza verdadeira, que é aquela da Origem e assim podermos regressar a casa.
Esta metamorfose é a única coisa que podemos e devemos realizar, investindo neste desígnio toda a nossa capacidade, não desperdiçando a oportunidade que se depara perante nós, aqui e agora, cumprindo o destino de voltarmos á condição original que esquecemos, outorgada desde o início a cada um de nós.
A árvore da vida que nos protege do fogo impiedoso com a sua sombra, que nos alimenta com o seu fruto e nos vivifica com a sua seiva, até á sua raiz que nos enraíza e estabiliza, transportando-nos ao mistério que existe dentro do que existe, e que harmoniosamente se estende e se mostra na flor e no fruto que pende dos seus ramos, dádiva da vida e fogo do espírito a que qualquer criança quer e consegue aceder e deliciar-se.
Esta árvore é aquela gerada pelo puro yang, regenerado, purificado e, pelo yin puro, que rejuvenesce e refresca o que antes estava gasto pelo uso.
Esta é a árvore que geramos e que é a fonte da nossa salvação, refletindo o brilho original, despertado em nós e agora disponível como uma flor de jade, que se abre mostrando a beleza da sua luz em todas as direções.
Comentários
Enviar um comentário