O Dragão Universal enquadra-se em Yīn Yuán 因缘 [1], espiralando no Talismã incessantemente, enviando as marés celestiais, produzindo toda a boa fortuna, felicidade e bênçãos. É a força motora do Universo e consegue penetrar o submundo, via o nosso espírito, ou preenchendo o mundo com bênçãos, “evitando a miríade de calamidades”. Boa fortuna é a causa que produz efeitos num outro estágio de existência e que conduz à salvação universal…
Zhěng Wèi Yuán Wēi
“A Totalidade relaciona-se inatamente com a
realidade aparente de forma espantosa/majestosa
(através do destino)”. In Wu Fu Jing, Introdução
De um modo completamente enviesado, a visão
moderna sobre a realidade na sociedade consumista e ultra-materialista dos dias
de hoje remete para uma única realidade, que se caracteriza por um sofrimento
constante, adornado por desigualdade social, violenta e injusta – que é,
afinal, o que caracteriza o submundo, ou os infernos.
Por isso, uma dialética de Salvação /
Esperança é urgente. Sem Esperança, a Humanidade não encontrará mais força para
continuar a resistir e insistir em existir, afogando-se no oceano de sofrimento
em que se encontra, e que a sua mente continuamente replica.
A Doutrina de Salvação tem portanto que
assentar numa atitude que coloque o Homem no Centro, como herói salvador de si
próprio, investindo no estudo das técnicas e práticas que o devolvam ao estado
de clareza e tranquilidade, o que só poderá acontecer investindo no
esvaziamento, gradual mas completo, das condicionantes mentais que o agrilhoam
ao submundo que a sua mente, juntamente com a de todos os outros, criou, era
após era, gerando vários níveis de dimensões infernais para onde retorna, vida
após vida, desperdiçada numa aposta hedónica de existência, gerando
constantemente ansiedade, sofrimento e morte. Para depois tudo recomeçar.
A Doutrina da Salvação é tão-somente aquela
que permite reencontrar o verdadeiro “self”, impoluto e original, integrado e
não alterado pelas circunstâncias que, ilusoriamente, vida após vida, se foi
construindo optando por uma visão humana dos eventos, em vez de entender esses
mesmo eventos à luz de uma matriz cósmica cuja mecânica e funcionamento
permitem que os corpos celestes se movam em órbitas perfeitas em torno do seu
eixo, produzindo as condições para que aconteça aquilo que conhecemos por vida
biológica, numa sucessão de eventos chamados de estações, tudo ocorrendo com
uma precisão matemática, de forma quase perfeita. Ao trocarmos esta rotina
ancestralmente estabelecida e desviarmos os nossos procedimentos e ensinamentos
desta ordem original, criando uma linha de ação própria, afastada desta
modulação original que é constante desde o início dos tempos, e pela qual se
regula toda a Natureza, só podemos aspirar a uma consequência: o Falhanço
existencial em que nos encontramos, consumindo de forma irresponsável, senão
criminosa, os recursos do planeta, numa ganância desmedida que resulta em
guerra, fome, doença e morte.
Urge integrar, começando por nós, os conceitos
ancestrais de respeito e contemplação, bem como da preservação da Natureza,
como Caminho para recuperarmos o nosso lugar e papel de Cuidadores e Defensores
de um planeta despoluído, puro e aquietado, em vez da loucura competitiva que
nos trouxe a todo este sofrimento, que nos morde e mata continuamente, até ao
completo apagamento da (boa) consciência humana, o que não é, de forma alguma,
a consequência verdadeira da causa original.
Yīn Yuán 因缘
Do ponto de vista do Daoismo, Qì é a bênção
transcendental na qual, como num oceano, nos encontramos submergidos e que,
continuamente, como chuva, é vertida sobre nós, trazendo o Qì Original que
presidiu ao começo deste Universo-Realidade, o qual continua a gerar, tal como
a nós, nutrindo as nossas células numa singularidade replicante que nos projeta
no Caminho, numa constância geradora de momento ao qual se segue logo outro, e
outro, e outro, numa interminável geração que respiramos por todos os poros.
Uma transferência de consciência entre o Universo que nos gera e nós, como um
só, como um todo, sem diferenciação ou separação e conhecido como Yī Qì, sopro indiviso do qual somos partículas, como gotas que constituem
o Grande Oceano da Existência na Forma.
Por isso, se o Dào 道 é a raiz axial do
daoismo, as suas Artes são o modo como podemos penetrar esse mistério, Xuán e,
desse modo, livrarmo-nos da ignorância estruturada que nos embota os sentidos,
ganhando uma capacidade renovada de caminharmos o Caminho de uma forma mais
simples e eficaz, melhorando as nossas vidas e o ambiente em que nos movemos,
reencontrando a União com o Todo, produzindo nesta Vida, com este corpo, o
veículo virtuoso que nos permita, abdicando do sofrimento, retornar ao plano da
quietude purificadora que é Dao.
Para isso, a Não-ação, 無為Wú-wéi, é a oração que podemos e devemos continuamente praticar. Uma
prece por clareza e quietude que implica não interferir no que já ocorre desde
o início e que nos nutre e sustenta, possível de ser alcançado em cada momento
em que paramos de magicar e planear, para nos deixarmos invadir por serenidade
e, assim, alcançarmos os reinos da consciência que, de outro modo, não são
realizáveis, por se encontrarem submergidos pela confusão e ruído mental. Deste
modo, a não-ação é como um ovo no qual “chocamos” em perfeita harmonia a nossa
Natureza Inata, que é aquela da Origem, realizando isto mesmo, que somos afinal
uma parte da Origem que regressa a casa.
Esta metamorfose, 化Huà, supernatural é a
única coisa que podemos e devemos realizar por nós próprios, cumprindo o nosso
destino de voltarmos – Fù 复 – à condição original, outorgada desde o
início a cada um de nós. Sermos Dào, o Dào Verdadeiro que não possui interno
nem externo, nem começo nem fim, que não é passível de ser intelectualmente
conceptualizado e, por isso, tão somente o designamos por Caminho, Dào 道. A Árvore da Vida que nos protege do calor impiedoso com a sua sombra,
nos alimenta com o seu fruto e nos vivifica com a sua seiva até à sua raiz, que
nos enraíza e estabiliza, transportando-nos ao Mistério, que existe dentro do
que existe, e que harmoniosamente se estende e se mostra na flor e no fruto que
pende dos seus ramos, dádiva de vida e fogo do espírito a que qualquer criança
consegue aceder para depois se deliciar.
Esta é a Árvore que geramos e que é a fonte da
nossa salvação, que reflete o brilho original despertado no corpo e agora
disponível como uma Flor de Jade que se abre, mostrando a beleza da sua Luz em
todas as direcções.
Por: Barreno, Dao Zhang
Árvore da Vida
[1] Yīn Yuán: Causa fundamental e causa acessória,
ou conjunto das causas que contribuem à produção do fruto – ou efeito. Causas e
factores que produzem e regem uma existência. Causas e ligações causais que
produzem o encadeamento em dependência.
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